Cresce a procura por parto domiciliar em meio à pandemia de coronavírus; veja o que está em jogo na decisão

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O rápido aumento de casos de coronavírus no Brasil e a inclusão das gestantes e bebês no grupo de risco para a doença têm mudado a forma como muitas mulheres olham para o parto domiciliar. Em entrevista, um grupo de parteiras relatou aumento expressivo na procura por atendimento aos partos em casa em meio à pandemia.

O nascimento em casa, comum há algumas décadas, deixou de ser tradição no Brasil a partir do século 19, quando as primeiras escolas de medicina foram fundadas e o parto hospitalizado ganhou espaço. Da assistência dada por outras mulheres – mães, amigas e parteiras – e na casa da família, o parto passou a pertencer ao universo médico – majoritariamente masculino – e o corpo feminino perdeu parte de sua liberdade para parir. Há alguns anos, porém, sob o chamado fenômeno da humanização, o protagonismo da mulher na cena do parto voltou a ser discutido e, hoje, o que se vê é o aumento da procura por partos domiciliares e uma lenta redução do tabu sobre o assunto.

Mas será que é mesmo seguro?

Estudos internacionais apontam que não há diferença estatística significativa em relação a óbito fetal ou neonatal precoce se comparados os partos domiciliares e os hospitalares. O parto em casa está ainda associado à redução do risco de cesárea, parto instrumental e complicações maternas.

Mas parir em casa não é para qualquer uma e a escolha do local de parto não deve ser pautada apenas pelo medo da pandemia. Só são elegíveis ao parto domiciliar mulheres com gestações de risco habitual, em que não há qualquer doença prévia da mãe ou do bebê e o pré-natal ocorre sem complicações.

“Existem alguns critérios que aumentam a segurança do parto domiciliar: ter uma gravidez considerada de risco habitual (pré-natal normal, de qualidade, com todos os exames normais), não ter nenhuma patologia, como diabetes ou hipertensão, um bebê que esteja do tamanho adequado, na posição cefálica, não seja prematuro e que não tenha nenhuma má formação são critérios que observamos”, detalha Thais Bernardo, parteira da ComMadre, grupo de apoio ao parto da Zona Leste de São Paulo.

E como saber se você é elegível? “É importante dizer que quem pode orientar a mulher sobre se ela é ou não elegível ao parto domiciliar é uma equipe que faça partos domiciliares, que esteja habituada, e não o médico cesarista do plano de saúde”, defende Ana Cristina Duarte, obstetriz, idealizadora do Coletivo Nascer – um coletivo de atendimento humanizado ao parto em São Paulo – e coordenadora do Siaparto, Simpósio Internacional de Assistência ao Parto

Elas mudaram de ideia

Desde o início da pandemia, um terço das mulheres que planejavam ter seus partos hospitalares com o Coletivo Nascer mudou de ideia e optou por um parto domiciliar. No caso da ComMadre, a procura cresceu cerca de quatro vezes nas últimas semanas. É o caso de Elisabete Souza, Aline Cavaloti e Aline Andrade. Aqui, elas contam o que as levou a mudar de ideia.

“No começo da gestação eu pensava que o hospital era mais seguro, era esse meu senso comum, da família e dos amigos. Quando começou a quarentena, ouvi que bebês foram contaminados no hospital, e decidi me informar sobre como seria um parto domiciliar. Procuramos uma equipe especializada, pesquisamos muito e hoje me sinto segura. O primeiro fator para a decisão foi sim o coronavírus, mas hoje eu e meu parceiro não nos vemos recebendo nossa filha em outro lugar que não seja a nossa casa”, conta a administradora Elisabete de Oliveira Souza, 37 anos, grávida de 17 semanas.

A fisioterapeuta Aline Messias Silva Cavaloti, 31, também planejava um parto hospitalar, mas, com o início da pandemia, passou a temer o ambiente hospitalar. “Não fazia mais sentido para mim parir dentro de um hospital, não sentia mais segurança. Entrei em parafuso quando tudo isso aconteceu e comecei a estudar para saber se seria possível um parto domiciliar. Claro que temos um hospital de retaguarda, um planejamento para garantir a segurança, mas agora me sinto mais calma com essa escolha”, afirma a mãe, grávida de 36 semanas.

Aos 30 anos e na reta final da segunda gravidez (Lívia deve nascer neste mês), a técnica de enfermagem Aline Pereira de Andrade também sentiu a necessidade de mudar seus planos por conta do coronavírus. “Tive minha primeira filha em uma casa de parto, há cinco anos e, dessa vez, essa seria novamente a nossa escolha. Mas, em meio à pandemia, passamos a considerar o parto domiciliar e depois de muito estudo e conversa, mudamos mesmo o plano”, diz Aline.

Apesar das melhores expectativas, o planejamento de um parto domiciliar inclui a definição dos chamados planos B e C. O primeiro, seria um hospital para onde a mulher gostaria de ser transferida caso sinta, por exemplo, necessidade de uma analgesia – que não é possível no parto domiciliar. Neste caso, a transferência ocorreria sem pressa e sem riscos. Já o Plano C é um hospital a até 15 minutos de distância da casa da família, para onde a mulher e o bebê podem ser levados em caso de uma intercorrência.

“A mulher pode deixar de ser elegível durante o pré-natal, durante o trabalho de parto, ou ainda precisar de uma transferência após o parto, por retenção placentária, hemorragia pós-parto ou até alguma dificuldade do bebê em se adaptar à vida extrauterina”, explica Thais.

No parto em casa, é indispensável que haja pelo menos dois profissionais considerados técnicos, que podem ser uma obstetriz, enfermeira obstetra ou médico obstetra. Também é comum – e importante – a contração de uma doula, que ajudará a garantir o conforto e a reduzir a dor com métodos não farmacológicos. Há ainda quem opte por contratar um pediatra, mas isso não é obrigatório. “O importante é que os profissionais técnicos contratados sejam experientes e aptos a fazer uma reanimação neonatal, por exemplo, se houver necessidade”, explica Ana Cristina Duarte.

Para quem não é elegível ao parto domiciliar ou não se sente confortável com essa opção, uma alternativa é ir o mais tarde possível para o hospital. “O ideal é ficar em casa o máximo de tempo possível e ir para a maternidade apenas para a reta final do nascimento”, diz Ana Cristina. Para isso, a doula e a enfermeira obstetra ou obstetriz prestam o atendimento domiciliar e vão junto com a mulher para o hospital quando o trabalho de parto já está em fase ativa.

Outras recomendações que passaram a ser adotadas no contexto da pandemia é a alta precoce sempre que possível, 24 horas após o nascimento do bebê; o uso de paramentação pelos profissionais, que já estavam há anos em desuso no contexto do parto humanizado; e a não recomendação de visitas, tanto na maternidade quanto em casa, pelo menos enquanto durar o período de isolamento social.

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Também tem sido recomendada a redução na quantidade de profissionais na sala de parto. Alguns hospitais restringiram a entrada de fotógrafos e da doula, então vale se informar qual é a situação atual do hospital escolhido. Também é sugerido ter um acompanhante backup para o caso de a sua primeira opção apresentar sintomas do coronavírus no momento do parto.

Fonte: revista Crescer


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