A terapia gênica e a terapia celular são duas abordagens inovadoras dentro da medicina regenerativa e da bioterapia utilizadas no tratamento de diversas doenças, particularmente àquelas de origem genética. E, apesar de ambas visarem corrigir ou modificar funções celulares para restaurar a saúde, elas se baseiam em princípios distintos e apresentam características próprias. Na terapia gênica, o objetivo é corrigir ou modificar genes defeituosos, enquanto na terapia celular, o objetivo é substituir células danificadas ou fornecer células com funções terapêuticas.
1. Terapia Gênica
A terapia gênica é uma técnica terapêutica que envolve a remoção, alteração ou introdução de genes saudáveis no organismo – chamados de terapêuticos ou de interesse – para substituir, modificar ou suplementar genes inativos ou disfuncionais que possam causar algum problema de saúde. Essa abordagem pode ser usada para corrigir mutações genéticas causadoras de doenças, tais como os distúrbios hereditários. O primeiro teste clínico bem-sucedido com terapia gênica foi divulgado em 1990, nos Estados Unidos, sobre uma paciente que nasceu com um tipo de erro inato do metabolismo.
Com este objetivo de fornecer ou modificar um gene específico para restaurar a função normal das células afetadas, existem diferentes estratégias de terapia gênica, sendo as mais comuns:
Inserção de genes terapêuticos: Introdução de cópias normais de um gene que esteja mutado ou ausente, como em doenças como a distrofia muscular.
Correção ou edição de genes: Técnicas como CRISPR-Cas9 podem ser usadas para corrigir ou editar genes específicos que causam doenças.
Silenciamento de genes: Para doenças causadas por uma expressão genética anômala, os pesquisadores podem silenciar um gene disfuncional.
A terapia gênica tem mostrado resultados positivos em doenças como:
Fibrose cística: Introdução de genes para a produção de uma proteína funcional no pulmão.
Anemia falciforme e talassemia: Modificação genética das células-tronco hematopoiéticas do paciente.
Leucemia: Uso de edição genética para criar células imunes (como células T) mais eficazes no combate ao câncer.
2. Terapia Celular
A terapia celular, por outro lado, envolve o uso de células para tratar doenças. Essa abordagem pode envolver o transplante de células saudáveis para substituir ou reparar células danificadas ou doentes, ou a modificação de células do próprio paciente para que elas desempenhem funções terapêuticas.
A terapia celular pode ser realizada de diversas maneiras:
Transplante de células-tronco: Células-tronco podem ser usadas para regenerar tecidos danificados, como no caso de lesões na medula espinhal ou doenças neurodegenerativas.
Imunoterapia celular: Células imunes (como células T) são modificadas e amplificadas para tratar alguns tipos de cânceres, como a terapia CAR-T.
Células somáticas: Células do próprio paciente podem ser manipuladas para restaurar funções que foram comprometidas, como no caso da regeneração muscular.
A terapia celular tem mostrado resultados positivos em doenças como:
Câncer: Terapias de células T modificadas, como a terapia CAR-T, têm mostrado sucesso no tratamento de linfomas e leucemias.
Doenças neurodegenerativas: Células-tronco podem ser usadas para reparar o cérebro em condições como Parkinson.
Lesões na medula espinhal: Células-tronco podem ajudar na regeneração de nervos danificados e no restabelecimento de funções motoras.
Deste modo, a principal diferença entre terapia gênica e terapia celular é a forma como elas abordam o problema celular. Enquanto a terapia gênica foca na modificação ou correção do material genético de uma célula, a terapia celular utiliza as próprias células ou células modificadas para reparar ou substituir células danificadas.
Em termos de aplicação, a terapia gênica é frequentemente utilizada no tratamento de doenças genéticas, como a fibrose cística e a distrofia muscular de Duchenne (DMD), enquanto a terapia celular é indicada para condições que envolvem a destruição ou disfunção de células específicas, como ocorre no câncer ou em doenças degenerativas.
Lembrando que ambas as abordagens têm desafios técnicos e éticos a serem considerados, mas, são consideradas como avanços revolucionários na medicina moderna, oferecendo promissores tratamentos para doenças até então sem cura. A escolha entre uma abordagem e outra depende das características da doença a ser tratada, das capacidades tecnológicas disponíveis e das necessidades específicas do paciente.
Jackeline S. Katayose, MSc.
Biomédica
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